A NECRÓPOLE pré-histórica de Alapraia
Depois das publicações anteriores sobre a exposição Cascais no Tempo dos Romanos e sobre o Povoado de Casais Velhos, venho hoje aflorar mais um interessantíssimo património do nosso concelho que todos os cascalenses ganhariam em conhecer.
Refiro-me ao conjunto de quatro grutas situado no centro de Alapraia, entre São João do Estoril e o Livramento, e não muito longe, também, dos lugares de Penedo, Caparide ou Fim do Mundo. Foi, inclusive, o primeiro imóvel do concelho a ser classificado como de Interesse Público, em 1945.
São grutas artificiais escavadas por acção humana no maciço calcário e que a investigação arqueológica pôs a descoberto no segundo quartel do século XX. Da designada Gruta I já havia notícia mais antiga, mas seria escavada pela primeira vez em 1931, por iniciativa do então Capitão Afonso do Paço e do Padre Eugénio Jalhay (duas grandes figuras da arqueologia em Cascais).
Os mesmos que escavaram a Gruta II dez anos mais tarde e identificaram a Gruta III em 1943 debaixo de uma casa de habitação. Finalmente, a Gruta IV foi revelada posteriormente durante os trabalhos de abertura de uma vala para instalar canalizações de água.
Todas as grutas desta necrópole são representantes do mesmo tipo de monumento funerário, composto por um longo corredor de acesso e uma câmara circular no final, com claraboia no topo, coberta por lajes. Através do espólio recolhido pelos arqueólogos, é de crer que estes monumentos remontem ao período entre o final do 4º milénio antes de Cristo e a Idade do Bronze, que, na nossa região, corresponderá aos anos de 1300 a.C. a 700 a.C.
O espólio encontrado, e parte do qual pode presentemente ser visto na exposição patente no Museu da Vila e que foi inaugurada em Outubro de 2019 (outro ponto a que recomendo vivamente uma visita).
Entre os objectos encontrados durante os diversos trabalhos arqueológicos a que fiz referência, salientam-se os objectos utilitários (percutores, pontas de seta, etc.), as louças e outros ojectos de cerâmica (p.ex. taças, vasos campaniformes e outros), os objectos de adorno (contas de colar e substâncias para pintura do corpo) e objectos de uso ritual (cilindros, placas de xisto, um crescente de calcário e, talvez o mais interessante, umas sandálias de calcário).
Estas últimas, constam da parte inferior de um par de sandálias, com a forma do pé e providas de uma vira de orifícios, onde se prenderia qualquer filamento que as mantinha presas ao pé. Pelas suas dimensões, não é provável que se destinassem a um adulto normal, antes se destinariam a actos de culto ou tivessem uma função meramente simbólica.
Tratando-se de uma peça única no mundo, achei por bem ilustrar esta publicação com um postal contendo uma fotografia do meu amigo e também destacado arqueólogo Guilherme Cardoso.
*NELSON FERNANDES recorda em Cascais24Horas duas vezes por semana factos e curiosidades que marcaram outrora Cascais e fazem parte da história de esta vila de reis e pescadores.
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