9 de November, 2024
DOIS relatos para uma mesma história de traição e emboscada nas águas da Boca do Inferno
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DOIS relatos para uma mesma história de traição e emboscada nas águas da Boca do Inferno

Out 12, 2024

São dois pedaços de prosa que nos encantam.

Começamos por uma das mais vigorosas “aguarelas” que têm sido dedicadas a este acidente natural caprichosamente cavado na rocha da costa de Cascais, e que se tornou um autêntico ex-libris turístico. O fragmento pertence às magníficas “Memórias da Linha de Cascais”, livro de 1943 de que foram autoras Branca de Conta Colaço e Maria Archer:

“Um dia, na sua vitória (NOTA: carruagem de tracção animal, com 4 rodas e 2 lugares) elegante, a Rainha D. Maria Pia e os Príncipes seus filhos, ainda meninos, foram admirar as tão faladas aberturas da Boca do Inferno.

Dia calmo. Nem vento nem onda crespa do mar. As vagas entravam mansamente pelas bocarras das furnas. A Rainha desceu, de rochedo em rochedo, até ao fundo do abismo, ao nível do oceano, onde um pequeno areal bordeja os fragões. Os Príncipes seguiram-na, confiantes, encantados com a aventurosa excursão.

De súbito, um golpe de vento, um golfão tumultuoso e transbordante entrou de chofre pela furna. As águas, empinadas por forças indómitas, revolveram-se na concha rochosa, ergueram-se em línguas convulsas, atiraram-se contra as escarpas. Os Príncipes desapareceram num turbilhão de espuma. A Rainha correu para os filhos.

O ajudante do faroleiro (NOTA: do farol do cabo Raso), nadador destemido, atirou-se à água e salvou-os com risco da vida. Foi condecorado pelo feito e recebeu uma pensão vitalícia.

São assim, de traição e emboscada, as águas da Boca do Inferno.”

Este mesmo episódio fora já descrito por Ramalho Ortigão, de uma forma mais breve, neste trecho de 1876:

“(…) o acaso pérfido da vaga quis que uma parte da família real tivesse corrido o perigo de afogar-se pelo verão, no mesmo sítio em que eu e o meu amigo Eça de Queirós almoçámos tranquilamente num ventoso dia de inverno. Onde suas altezas estiveram a ponto de perder a vida, tivemos nós mergulhada a nossa garrafa de champanhe que, entre duas garfadas de uma maionese de atum, içámos sãs e salvas do traiçoeiro abismo.”

*NELSON FERNANDES recorda em Cascais24Horas duas vezes por semana factos e curiosidades que marcaram outrora Cascais e fazem parte da história de esta vila de reis e pescadores.

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