
CAXIAS, VILA FEITA DE BAIRROS DIVERSOS COM NOBRE PATRIMÓNIO

Esta fotografia, possivelmente dos anos 10 a 20 do século passado, dá-nos uma ideia do carácter ‘sui generis’ desta povoação entre a Cruz-Quebrada e Paço de Arcos e cuja praia sinaliza, por assim dizer, o princípio da longa sucessão de unidades balneares a que se deu o nome de Costa do Sol.
E, embora Caxias disponha de um areal com extensão aceitável e condições mais amenas perante a força das ondas, levou tempo a receber um afluxo de banhistas equivalente ao da maioria das praias que se situam mais avante na direcção de Cascais.
Para isso terão contribuído, certamente, factores de diversa natureza, um dos quais estarmos a falar de uma povoação pouco homogénea do ponto de vista da sua geografia humana. Não é impunemente que Branca de Gonta Colaço dizia, ainda em meados do século XX, que sob o nome Caxias, se abrigavam verdadeiramente quatro povoações ou bairros.
Havia o Bairro Antigo, ao fundo da Avenida Marginal, onde existiam as poucas moradias de “famílias de tom”, as que procuravam escapar à popularização, ou aburguesamento, das praias que, no final do séc. XIX, haviam tido um cunho mais aristocrático, como Pedrouços ou Algés.
Havia o Bairro da Quinta Real, com o seu palácio e o seu belo jardim. Também o Bairro do Lagoal, em grande parte pertencente à família Mauperrin Santos, estendendo-se na direcção de Laveiras. E, por último, o Bairro Novo, erguido na colina sobranceira ao Bairro Antigo.
É sabido como a instalação, para fins de veraneio, da Família Real constituía um factor decisivo para o progresso e o cosmopolitismo das localidades. Durante vários séculos, isso beneficiou sobretudo terras do interior, mas, quando na Europa se tornaram moda os banhos de mar e o usufruto da paisagem costeira, o fenómeno repercutiu-se em Portugal e também os reis portugueses (no final da dinastia de Bragança) passaram a não dispensar as zonas de areal marinho. Isso motivava todos os servidores da Corte e outras famílias a seguirem a mesma “rota”, o que fez que várias povoações de pescadores se transformassem em centros mundanos e de sofisticada vida social.
Caxias também ganhou o seu Paço e Quinta Real no século XVIII quando o hoje quase ignorado Infante D. Francisco (irmão do Rei D.Pedro II) mandou construir, precisamente em Caxias, aquele que viria a tornar-se o primeiro paço real situado à beira-mar.
Quando digo “viria a tornar-se”, estou a ser exacto na linguagem, pois a conclusão das obras só aconteceria mais tarde, e apenas com D. Maria I (reinante de 1777 até 1815) a Quinta Real de Caxias ganharia o estatuto de residência real estival. E ainda seria preciso esperar perto de um século mais para que um monarca (o Rei D. Luís) a alcandorasse a residência oficial, durante as semanas que precederam a sua fixação no Palácio da Ajuda.
Esta antiga quinta real, que a Câmara Municipal de Oeiras recuperou recentemente e abriu a visitas públicas, merece bem que eu lhe dedique em breve uma nova publicação. Ela recorda-nos a breve e fugaz fase glamourosa, seguindo-se um período marcadamente castrense, com o estabelecimento do Forte que teve diversas usanças, a criação do Instituto de Altos Estudos Militares, a Messe de Oficiais e a fixação residencial de profissionais de várias patentes nas casas que, entretanto, foram sendo construídas.
Hoje, quando se fala de Caxias, pensa-se sobretudo no areal frequentado por banhistas, que se estende desde o Forte de São Bruno à Ribeira de Barcarena e a que, durante muitos anos, se chamou Praia do Lagoal. Depois de desagregada da freguesia de Paço de Arcos, assumiu o estatuto de vila em 1997 e integra hoje uma das Uniões de Freguesias que nasceram com a reforma administrativa do território de 2013. Nos anos mais recentes, ganhou protagonismo noticioso com a inauguração da Cidade do Futebol no Alto da Boa Viagem e a extensão do Passeio Marítimo na direcção de Lisboa. Para futuro, está anunciada a criação de um grande parque urbano que se prolongue pela Ribeira de Barcarena até à Fábrica da Pólvora.
Mal ficaria que não mencionasse os nomes das maiores figuras de caxienses: o grande pintor Domingos Sequeira,que se recolheu ao então Convento da Cartuxa, em Laveiras, no final do séc. XVIII, e o notável escritor e político oitocentista Almeida Garrett, que deixou algumas obras datadas de Caxias, em cuja praia temos notícia de que esteve a banhos pelo menos no ano de 1844.
*NELSON FERNANDES recorda em Cascais24Horas duas vezes por semana factos e curiosidades que marcaram outrora Cascais e fazem parte da história de esta vila de reis e pescadores.
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