19 de November, 2024
LOBOS do Mar na praia dos Pescadores
Você Sabia?

LOBOS do Mar na praia dos Pescadores

Set 13, 2024

Este friso de quatro velhos lobos-do-mar na principal praia de Cascais, que durante largos anos se chamava dos Pescadores ou do Peixe, retrata-nos uma cena que ainda terá sido familiar a muitos dos cascalenses.

A qualquer hora do dia que descêssemos ao areal diante do Casino ou do velho Mercado e, modernamente, frente ao Hotel Baía, lá encontrávamos muitos destes velhos mareantes, de rostos marcados pela dureza da profissão e semblante que traía a saudade pelas vivências de outrora ou pela memória de familiares e companheiros perdidos.

Umas vezes, permaneciam sentados na berma da muralha, outras, encostados ao costado das embarcações que secavam ao sol; outras, muito frequentemente, ocupavam-se da reparação das redes danificadas. A sua idade e saúde já não lhes permitiam voltar ao mar para pescarem, e assim sempre ganhavam uns magros cobres para custear a onça de tabaco cujo consumo constituía o seu único vício.

A tarefa era, e é, muito útil, pois são frequentes os cortes nas artes, causados por rochas pontiagudas, ganchos de pesca, hélices dos motores de embarcações ou até pelos peixes mais volumosos e pesados.

O manejo das agulhas de reparação, feito com grande destreza, sempre me causava admiração, mas o que mais me retinha junto a estes homens quando tinha tempo disponível para tal, era o teor das conversas que mantinham entre si ou com quem pertencia à legião dos velhos conhecidos.

Posso dizer que retive desses momentos palavras de muita sabedoria, histórias e dramas vividos, apontamentos de humor, pormenores da vida de Cascais de outrora. E que fiz algumas sinceras e belas amizades, prolongadas nas horas passadas à noite no Dramático.

Esses episódios fazem-me hoje ter um profundo respeito e melhor compreensão pelos ensinamentos da História, os mais antigos dos quais apontam para o intenso movimento portuário do tempo da colonização romana, de que temos vestígios com mais de dois milhares de anos expressos nos tanques e complexos de preparo e conserva de peixes em vários pontos da costa do nosso concelho.

Tal como o gesto do nosso Rei D. Pedro I, a quem se deve a autonomia de Cascais em relação a Sintra, decretada em 1364, elevando a então pequena aldeia de mareantes, pescadores e alguns agricultores à categoria de vila que ainda hoje conserva.

Ou o veredicto de D. João I, ao eximir em 1426 os pescadores cascalenses do desempenho de funções militares para apoio defensivo da vila desde que pescassem pelo menos durante oito meses por ano.

Do notável investigador da História de Cascais João Miguel Henriques, tornaram-se para mim mais facilmente compreensíveis estas passagens: “A colónia de pescadores responsável pela fundação de Cascais parece ter-se instalado primeiramente no ‘Alto do Longo’ ou ‘Monte Lombo’, a noroeste do actual centro da vila.

Fixou-se depois junto ao mar. (…)

Na primeira metade do século XV, a pesca mantinha-se como a principal fonte de receita da vila.”

E ganha também para mim profundo sentido o facto de aquando da criação de irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Cascais, em 11 de Junho de 1551, ela ser composta de 300 irmãos, metade dos quais eram “homens do mar” e, os restantes 150, serem repartidos por todas as outras atividades do concelho – agricultores, comerciantes, militares, religiosos, trabalhadores de ofícios, etc.

RABUÇA, o velho e valoroso Lobo do Mar

Há meia dúzia de dias ofereceram-me um livro já antigo sobre a Costa do Estoril.

Comecei a folheá-lo com prazer, e a certa altura tive uma comoção indescritível. Inesperadamente, deparou-se-me uma bela fotografia, representando anonimamente um velho pescador na tarefa de remendar as redes e prepara-las para a faina.

Ora, o pescador em causa é alguém que conheci muito bem, com quem tive uma sentida relação de amizade, e que faleceu em 2013.

Eu, que não fui pescador, conheci este autêntico lobo do mar quando, em 1975 vim viver para Cascais e convivi com ele mais frequentemente depois que fundei e dirigi a Associação Armadores e Pescadores de Cascais no ano 1964.

Desde o primeiro momento tive a perceção de que estava em presença de um ser humano excecional, e com ele consolidei uma forte amizade.

Tornámo-nos parceiros da mesa nos jogos de cartas que nos reuniram sábados e noites sem conta na sede do Grupo Sportivo e Dramático de Cascais, da qual éramos sócios e eu cheguei a ser Presidente Interino da Direção.

Fiquei profundamente emocionado ao encontrar nesta fotografia o meu querido amigo Rebuça. e aproveito para lhe enviar, lá onde ele esteja, uma terna saudação, com o seguinte pedido:

“Meu bom amigo! Um dia irei inevitavelmente ter contigo. Por isso te peço desde já que vás preparando o baralho de cartas para voltarmos a formar par e jogar mais umas grandes  suecadas…”.

*NELSON FERNANDES recorda em Cascais24Horas duas vezes por semana factos e curiosidades que marcaram outrora Cascais e fazem parte da história de esta vila de reis e pescadores.

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