20 de October, 2025
AUTÁRQUICAS 2025: Análise aos resultados eleitorais do concelho de Cascais
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AUTÁRQUICAS 2025: Análise aos resultados eleitorais do concelho de Cascais

Out 19, 2025

Os resultados das eleições autárquicas de 2025 no concelho de Cascais confirmam uma transformação profunda do panorama político local, após mais de duas décadas de domínio ininterrupto da coligação PPD/PSD.CDS-PP. A leitura comparativa dos dados oficiais divulgados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE, 2025) permite constatar uma quebra expressiva dessa coligação e o surgimento de novas forças políticas, num contexto de participação eleitoral mais elevada e de pluralização do voto.

Segundo a CNE, em 2021, entre 179 237 eleitores inscritos, votaram 79 858 cidadãos, o que correspondia a 44,55 %. Quatro anos depois, em 2025, registaram-se 89 405 votantes num universo de 178 529 eleitores, atingindo uma taxa de participação de 50,08 %. O aumento de 5,5 pontos percentuais indica um reatar do vínculo cívico entre a população e a esfera política, revelando maior interesse pela vida pública e sentido de corresponsabilidade democrática.

A comparação dos resultados de 2021 e 2025 evidencia a magnitude das mudanças verificadas:

Comparação dos Principais Resultados

A coligação PPD/PSD.CDS-PP manteve-se como a força mais votada, mas sofreu uma descida acentuada de dezoito vírgula sete pontos percentuais, perdendo dois mandatos. A perda da maioria absoluta encerra um ciclo de hegemonia política e traduz o desgaste de um poder prolongado, agravado pela dispersão do voto entre novas forças à direita e ao centro-direita. Parte significativa do eleitorado tradicional redistribuiu-se entre o Partido Chega (CH), a Iniciativa Liberal (IL) e, sobretudo, o movimento independente Cascais para Viver, liderado por Jonet.

O Partido Socialista (PS) manteve-se como segunda força política, mas também em declínio, descendo de vinte e um vírgula seis para dezasseis vírgula dezassete por cento e perdendo um mandato. Esta quebra confirma a dificuldade do PS em se afirmar como alternativa de governação credível e mobilizadora. De acordo com Jalali (2022), a erosão simultânea dos dois partidos tradicionais traduz uma tendência nacional de desinstitucionalização partidária, visível também no plano local.

O movimento Cascais para Viver alcançou um resultado notável para uma candidatura de origem cívica, elegendo dois mandatos com catorze vírgula setenta e sete por cento dos votos. A sua ascensão constitui um exemplo claro de personalização da política e de renovação ética do discurso público, fenómeno já identificado em várias democracias europeias por Lisi (2019). A valorização da proximidade e da independência relativamente às estruturas partidárias clássicas explica em parte o seu sucesso entre eleitores desiludidos com o sistema tradicional.

À direita, o Partido Chega (CH) consolidou a sua posição, duplicando praticamente a votação de 2021 e elegendo dois vereadores. O crescimento de sete pontos percentuais demonstra a transferência de votos conservadores para um eleitorado de protesto e reflete o alargamento da base da direita populista no concelho. Este avanço acentua a fragmentação interna do espaço político de direita e dificulta a formação de maiorias estáveis.

A Iniciativa Liberal (IL), com seis vírgula quarenta por cento, reforçou o peso liberal no contexto cascalense, conquistando sobretudo eleitores jovens, urbanos e qualificados. Embora não tenha conseguido representação, ampliou o pluralismo ideológico local. O Bloco de Esquerda (BE) subiu ligeiramente para quatro vírgula quarenta e cinco por cento, e a coligação PCP-PEV recuou marginalmente para três vírgula nove, mantendo uma expressão residual.

De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE, 2024), Cascais é um concelho marcado por níveis elevados de instrução e participação associativa, o que contribui para uma cultura política exigente e relativamente autónoma. A mobilização acrescida de 2025 confirma esta maturidade cívica e um padrão de voto mais seletivo e informado.

A análise global demonstra a passagem de um modelo político de hegemonia para um sistema plural, competitivo e negociado. A fragmentação partidária dissolveu as antigas maiorias absolutas e obrigará a coligações pós-eleitorais e a novas formas de governação partilhada. O eleitorado manifestou uma vontade de mudança prudente e construtiva, preferindo a renovação à rutura. O resultado eleitoral exprime um desejo coletivo de estabilidade acompanhada de renovação política, o que corresponde, na terminologia de Lisi (2019), a uma reconfiguração do sistema partidário em contexto de maturação democrática.

O futuro político de Cascais dependerá da capacidade de diálogo e de concertação entre forças distintas, da competência técnica dos eleitos e do equilíbrio entre inovação e continuidade. A governação passará a exigir uma cultura de compromisso e de cooperação institucional. O eleitorado cascalense demonstrou que deseja uma política mais aberta, transparente e participativa, sinal inequívoco de vitalidade democrática e de responsabilidade cívica.

Referências

Comissão Nacional de Eleições. (2025). Resultados oficiais das eleições autárquicas de 2025 – Concelho de Cascais. CNE. https://www.cne.pt

Instituto Nacional de Estatística. (2024). Indicadores de participação eleitoral e dados demográficos – Região de Lisboa e Vale do Tejo. INE. https://www.ine.pt

Jalali, C. (2022). Partidos e representação política em Portugal: Transformações recentes e desafios futuros. Imprensa de Ciências Sociais.

Lisi, M. (2019). O sistema partidário português em mutação: Fragmentação, volatilidade e personalização. Revista de Ciência Política, 12(2), 45-68.

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1 Comment

  • Um comentário equilibrado que, entretanto, não esclarece um ponto essencial: o que se pode esperar de um PS que tem vivido sob a sombra de Carlos Carreiras? Vai ser uma efetiva alternativa ou vai oferecer a ‘maioria absoluta’ ao Piteira?
    O facto de o PS não ter subscrito o recente compromisso comum das várias forças sobre o combate ao PPERUCS (Quinta dos Ingleses) é um mau augúrio. O tempo o dirá….

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