VARINAS: “Estatuetas vivas” e “Embaixadoras do mar”
Começo com esta transcrição em que Cascais é recordada:
cantada num fado da nossa Amália Rodrigues.
De uma sardinha fresquinha
Diga-me lá quem não gosta
Salpicadinha, viva da costa
Assim vivinha
Chegadinha de Cascais.
Trata-se de um grupo étnico originário das zonas piscatórias de Aveiro, Cascais,Ílhavo, Torreira, Furadouro, Mira e, principalmente, Ovar. Aliás, o popular termo “varinas” não é senão uma abreviação de “ovarinas”, por facilidade de pronúncia.
Era gente exclusivamente dedicada ao labor nas actividades piscatórias e portuárias, desde o primeiro quartel do século passado, e que começou por se instalar nos bairros da Madragoa e da Esperança.
Justamente por isso, o escritor Silva Bastos crismou a Madragoa de “bairro da chinela e da canastra”.
Ainda me lembro de as ouvir apregoar a “Marmota!” ou o “Carapau pr’ò Gato”, além da mais popular “Vivinha da Costa!”.
Mas a minha mãe e a minha avó contavam-me que antigamente lhes tinham ouvido a toada musical de outros pregões que entretanto foram desaparecendo, como a “Salpicadinha da Costa!” ou as “Cadelinhas para o Arroz!”.
A sensualidade dos seus corpos e do seu andar fez que diversos escritores as cantassem em poesia ou em prosa.
Portugueses e brasileiros foram numerosos, como Cesário Verde, Augusto Santa Rita, Carlos Queirós, Fernanda de Castro, Luís Teixeira, Gilberto Freyre… Pinheiro Chagas achava-as “as Gregas do Ocidente”; Fialho de Almeida, “estatuetas rústicas e marinhas”.
E até um suíço, René Karch, as classificou de “embaixadoras do Mar”.
“De mão na ilharga, equilibravam a canastra, conservando os braços arqueados em jeito de asa de cantarinha. O busto, esse, era cingido por corpete de chita ou de flanela, conforme a estação. A cinta de lã, repuxada nos quadris, alteava-lhes as saias de serguilha enxadrezada e de roda ampla, resguardadas por avental.
Do lado esquerdo e a bom jeito para amealhar os lucros, a “patrona” – algibeira mutável de confecção singela. Completavam a andaina do dia-a-dia, o lenço de ramagens, cruzado nas espáduas ou caindo solto e, sobre ele, o chapelinho circular de feltro negro, achatando como prato raso e de abas ligeiramente reviradas.
A rodilha, ou “sogra”, servia de amortizador, suavizando o peso do fardo.”
Para delícia de todas as minhas amigas e amigos leitores.
*NELSON FERNANDES recorda em Cascais24Horas duas vezes por semana factos e curiosidades que marcaram outrora Cascais e fazem parte da história de esta vila de reis e pescadores.
Outros TEMAS