
Mobilidade em Cascais: um desafio com várias soluções

Todos os dias, milhares de cascalenses enfrentam o mesmo paradoxo: deslocarem-se para Lisboa de transportes públicos, nomeadamente de comboio, ou levar viatura própria.
Cascais é um concelho de excelência, conhecido pela sua qualidade de vida, pelas paisagens deslumbrantes e pelo investimento contínuo em inovação. No entanto, quando falamos de mobilidade, a realidade é diferente…
A deslocação nos transportes públicos de Cascais, nomeadamente nos autocarros, é desafiante. Apesar do concelho oferecer 44 linhas de transporte rodoviário público gratuito para residentes, trabalhadores e estudantes do concelho, muitos continuam a preferir usar viatura própria para os movimentos pendulares diários, nomeadamente nas deslocações para Lisboa.
A falta de estacionamento junto às estações de comboio, a proliferação de parquímetros nas imediações ou ainda as ligações de autocarro demoradas fazem com que muita gente opte por se sentar no carro, no trânsito, esperando mais de uma hora para chegar à capital.
Com esta escolha, acrescem nos seus orçamentos as portagens, a gasolina ou a eletricidade.
Quem opta pelos transportes, mas mora longe da linha férrea muitas vezes tem de conduzir 15 a 20 minutos até ao estacionamento mais próximo da estação, porque as ligações de autocarro são pouco eficientes e podem chegar a demorar o dobro do tempo, em comparação ao carro.
Isto significa que, mesmo quem quer usar os transportes públicos, continua preso ao automóvel e ao trânsito que se tem adensado continuamente.
Além disso, a medida dos 180 minutos diários de estacionamento gratuito para residentes é insuficiente para quem trabalha em Lisboa ou noutra zona fora do concelho. Assim como a gratuitidade em alguns estacionamentos em certas e delimitadas alturas do ano.
A mobilidade suave, como bicicletas e trotinetes, ainda enfrenta grandes desafios em Cascais. Fora do passeio marítimo, as ciclovias são escassas, faltam troços essenciais e muitas são tão estreitas que colocam em risco a segurança dos utilizadores. Além disso, há poucos espaços de estacionamento adequados para bicicletas, tornando esta opção pouco prática para quem pretende combiná-la com outros meios de transporte.
Se Cascais quer melhorar o dia-a-dia dos seus munícipes, precisa de apostar em soluções mais abrangentes, aponto alguns exemplos.
O aumento dos parques dissuasores, ou seja, aumento de parques de estacionamento estrategicamente localizados. Os parques dissuasores permitiriam assim ter acesso direto às estações de comboio ou de estarem conectados a autocarros diretos e frequentes de parques de estacionamento até às estações de comboio.
Cascais já dispõe de lugares de estacionamento para estes efeitos, incluindo parques fechados junto da estação de Cascais, da Parede e de Carcavelos, mas são suficientes?
Outra solução seria o alargamento dos títulos mensais para trabalhadores, que de momento, permitem o estacionamento aos trabalhadores do concelho nas zonas escolhidas, aos portadores de passes mensais. Quantos lugares há no total disponibilizados para esta modalidade?
Também é fundamental que as infraestruturas de estacionamento sejam seguras e organizadas, tornando a mudança do carro para o transporte público rápida e conveniente, com interfaces para a rodovia, com paragens abrigadas, iluminadas e com assentos.
Ligações rodoviárias diretas de parques de estacionamento estratégicos tem o poder de reduzir o tráfego na malha urbana e de incentivar o uso dos transportes públicos de forma prática e acessível. Auxiliam a libertação de espaço dentro da cidade para quem não pode prescindir do automóvel e ao mesmo tempo a outros meios de transporte de mobilidade suave, como as bicicletas e as trotinetes.
No entanto, mesmo com estas melhorias, a grande questão continua a ser a falta de fiabilidade da Linha de Cascais. Mesmo que existam bons parques, transportes de ligação eficientes, estacionamentos para bicicletas, nada disso importa se o comboio falha constantemente.
Nos últimos meses, pelo menos duas vezes, no período da tarde, avarias nas catenárias impediram os comboios de circular além de Carcavelos, forçando os passageiros a recorrer a autocarros sobrelotados, táxi ou serviços TVDE.
A imprevisibilidade do serviço torna-se um fator decisivo: ninguém pode contar com um sistema de transportes que não garante horários fiáveis nem garante a chegada ao destino no fim do dia. A vida acontece também após o trabalho, mas a frustração da viagem drena a energia de qualquer resiliente. Se todos os dias o regresso a casa se transforma numa incógnita, o carro volta a ser a única opção fiável.
Podíamos falar da transição energética, da descarbonização e do conceito de smart cities, mas sem resolver primeiro estas questões básicas, todos esses objetivos ficam comprometidos. Cascais tem de apostar na mobilidade de forma integrada.
A Câmara tem de liderar esta mudança. A Câmara tem de assumir um papel ativo na exigência de um serviço ferroviário eficiente, pressionando a CP e a Infraestruturas de Portugal para garantir um transporte previsível e de qualidade. No entanto, não tem de o fazer sozinha, as soluções sistémicas devem ser feitas integrando os vários interessados, nomeadamente devem também ser discutidas e analisadas com os Municípios vizinhos, nomeadamente Oeiras, Sintra e Lisboa.
Sem esta base, qualquer outro investimento será sempre insuficiente. Quem vive em Cascais merece um sistema de transportes que funcione, que reduza a dependência do carro e que devolva tempo às pessoas. No final do dia, viver num concelho que é um paraíso à beira mar, com qualidade de vida, não pode significar perder horas no trânsito ou à espera de um comboio que não cumpre horários.
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1 Comment
Excelente artigo!. Pode ser de início um sonho viver em Cascais, mas quando confrontado com as alternativas de mobilidade, facilmente passamos a um pesadelo.