
MILAGRE NOSSA SENHORA DA GUIA

Não se pode resistir, porém, a compulsar de novo o relatório do Prior Marçal da Silveira, que, depois de contar um dos milagres de Nossa Senhora da Guia, escreve:
«E o tal milagre o viu muita gente em um quadro estampado no mesmo templo da Guia, com outros que a mesma Senhora livrou, muitas embarcações do cativeiro dos Mouros, consumiu o tempo».
Embora entrecortada, a frase dá conta de ali terem existido – e o tempo as consumiu – outras tábuas de milagres referentes a salvamentos ocorridos na sequência de combates com a pirataria moura, que infestava a nossa costa.
A tradicional narrativa do milagre da Guia é deveras curiosa, vê-se que o sacerdote a quis embelezar no estilo. Vale a pena transcrevê-la tal qual, ainda que actualizada na forma, para que melhor se possa apreciá-la, na sua singeleza. E é como segue:
Desapareceu, um dia, de casa de sua mãe um menino, cuja idade seria de cinco até seis anos, sem que a triste mãe pudesse saber onde estava. Já o presumia caído de algum penhasco abaixo no mar e afogado; já o deplorava morto de algum infausto sucesso na terra, se bem que a verdade era que umas bruxas lho tinham arrebatado de casa e o foram lançar em um despenhadeiro, em um monte sobre o mar, que confina para aquela parte da Guia.

Aos choros que o menino dava acudiram uns pastores de gado, que, dando notícia à vila, saíram muitos, com a desconsolada mãe, a socorrerem a inocência. Não foi pouco o que custou a tirarem-no pelo profundo e inacessível despenhadeiro.
E, alegres todos polo verem sem perigo, lhe perguntou a mãe quem o metera ali e quem lhe dera de comer havia tantos dias. A que o menino satisfez e disse que umas mulheres o trouxeram pelo ar e atiraram com ele àquela cova; porém, que uma senhora mui fermosa lhe levava todos os dias umas sopinhas de cravos para ele comer.
Veio a mãe e todos à igreja a renderem graças à Senhora. E, assim que o menino viu a Senhora no altar, disse estas formais palavras:
– Ó mãe, eis ali está a Senhora que todos os dias me dava as sopinhas de cravos para comer!
Chamou-se este menino José Gomes Lemos, de alcunha «o Chapinheiro».
E foi nesta praça, depois, insigne cirurgião-mor do Regimento e mui prático em Medicina e grande filósofo.
*NELSON FERNANDES recorda em Cascais24Horas duas vezes por semana factos e curiosidades que marcaram outrora Cascais e fazem parte da história de esta vila de reis e pescadores.
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